quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Veja relatos de pais que perderam os filhos no incêndio na Boate Kiss


‘Fiscalização, para que não aconteça de novo’, afirma pai de jovem morta. Segundo psicanalista, pais precisam de ‘apoio familiar’ para enfrentar luto.
Livia Oliveira, mãe de Heitor, se ajoelha para beijar o caixão do filho durante enterro. Foto: Antonio Scorza/AFP
Livia Oliveira, mãe de Heitor, se ajoelha para beijar o caixão do filho durante enterro. Foto: Antonio Scorza/AFP
Pais das mais de 230 vítimas do incêndio que atingiu a boate Kiss na madrugada de domingo (27), em Santa Maria (RS), lotaram o ginásio da cidade para reconhecer os corpos e percorreram hospitais da região para tentar encontrar sobreviventes. Segundo o psicanalista Regis Siqueira Ramos, apoio familiar é fundamental para enfrentar a dor.
O G1 reuniu relatos e entrevistas de pais e mães que perderam seus filhos na tragédia. Em meio à dor e ao luto pela perda, eles cobram fiscalização e justiça para que acontecimentos desse tipo não se repitam.
Mãe perde os dois filhos
Elaine Gonçalves perdeu os dois filhos no incêndio. O mais velho, Deives Marques Gonçalves, de 33 anos, chegou a ser levado para atendimento em um hospital de Porto Alegre, mas acabou morrendo horas após o incêndio.
Gustavo Marques Gonçalves que estava internado no Hospital de Pronto Socorro em Porto Alegre, até terça-feira (29), mas acabou morrendo de morte encefálica confirmada pela Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul.
O corpo de Gustavo chegou à Capela Mortuária do Hospital de Caridade perto das 10h, mas ainda demorou alguns minutos para ser liberado para o velório.
Amigos e familiares transtornados se abraçavam e choravam juntos pela morte dos irmãos. A mãe dos jovens fez questão de cumprimentar cada um dos amigos e familiares presentes na despedida do filho. De cada um, recebia abraços e palavras de consolo.
Os amigos levaram um cartaz com fotos dos dois irmãos ao enterro para prestar uma última homenagem.
Bruno (à esq.), o pai (centro) e a irmã (dir.) de Vinicius fazem gesto em homenagem ao estudante. Foto: Paulo Toledo Piza/G1
Bruno (à esq.), o pai (centro) e a irmã (dir.) de Vinicius fazem gesto em homenagem ao estudante. Foto: Paulo Toledo Piza/G1
Orgulho do filho que morreu quando voltou para ajudar
Ogier de Vargas Rosado, de 51 anos, pai de Vinícius Montardo Rosado, 26 anos, fala do orgulho que tem do filho que acabou morrendo quando voltou para para ajudar.
Vinicius conseguiu salvar 14 pessoas, mas depois foi encontrado desacordado e morreu no hospital. Segundo testemunhas, na madrugada de domingo Vinicius saiu da boate e procurou a irmã. Ao ver que ela estava bem, voltou ao prédio em chamas, para resgatar quem não conseguia encontrar a saída.
No velório coletivo realizado no ginásio esportivo da cidade, pessoas que sobreviveram e que participaram da cerimônia reconheceram o jovem. “Passavam e diziam: ‘lembro dele. Foi ele quem me salvou’”, afirmou um amigo.
Parentes contam que o jovem adorava festas, mas cancelava qualquer evento se um amigo precisasse de ajuda. “ Brincava que ele era como uma baleia: grande, forte e doce”, disse o pai.
‘Minha vida acabou’
Maria Goreti Pereira perdeu a filha Natana Canto. Ela diz que pediu para a filha não ir à boate por achar perigoso, mas a filha acabou indo. “Minha vida acabou. O que vou fazer sem a minha filha?”
Muitos pais como Maria Goreti estão tendo acompanhamento psicológico e de estudantes universitários voluntários. São ao menos 130 profissionais da área da saúde divididos em sete equipes. O amparo aos familiares vai desde a ajuda na identificação dos corpos, no enterro das vítimas, até o momento da aceitação da perda.
No Hospital de Caridade, por exemplo, um grupo de estudantes auxilia na distribuição de água. “Basicamente estamos trabalhando com a distribuição de alimentos e água para os familiares das vítimas e para o pessoal que está internado, tentando proporcionar esse amparo”, explica o estudante Cezar Vieira.
Elaine Marques é mãe de duas vítimas fatais do acidente que matou 235 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria: Gustavo, 25 anos, e Deives, 33 anos. Foto: Fernando Borges / Terra
Elaine Marques é mãe de duas vítimas fatais do acidente que matou 235 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria: Gustavo, 25 anos, e Deives, 33 anos. Foto: Fernando Borges / Terra
Ajuda de psicólogo
A dona de casa Terezinha Ávila perdeu o filho e a nora no incêndio. Leandro Ávila Leivas tinha 22 anos e trabalhava em uma empresa de ônibus. Bruna Brondani Papália tinha 25 anos e era advogada.
Na noite de domingo (27), o casal foi pela primeira e última vez à boate. Terezinha não conseguiu suportar o sofrimento sozinha e procurou auxílio psicológico. “Perdi meu filho, perdi minha nora que era como uma filha pra mim. Estou com o coração muito partido de dor, de saudade deles. Eles foram para se divertir e voltaram mortos”, lamenta, emocionada.
Com o grave estado de alguns pacientes, muitos tiveram que ser transferidos para hospitais de Porto Alegre. Seis hotéis da região estão recebendo parentes sem cobrar nada. Entre casas de moradores, hotéis e abrigos da prefeitura são mais de mil leitos à disposição.
Filhos internados
Número de mortos na tragédia de Santa Maria aumenta para 234 mortos. Agora o desafio dos médicos é tratar a pneumonia química resultante da inalação da fumaça tóxica. Mas preocupação não é só com as 143 pessoas internadas, mas com as que voltaram pra casa, que podem apresentar sintomas graves dois três dias depois.
Iara Guedes, Renato Velho e Adilton Jorge da Costa são alguns dos pais que esperam no saguão do hospital a espera da recuperação de seus filhos.
Familiares de vítimas se abraçam em frente a boate Kiss, em Santa Maria. Foto: AP
Familiares de vítimas se abraçam em frente a boate Kiss, em Santa Maria. Foto: AP
Bilhetes para falar com a filha na UTI
Renato Velho, já aliviado, diz que o quadro do filho está estável, mas que sempre se preocupa porque os sistomas da inalação da fumaça tóxica pode aparecer só dois, três dias depois.
O pai de uma das vítimas no incêndio na boate de Santa Maria (RS) que seguem internadas mostrou, esperançoso, os bilhetes pelos quais tem se comunicado com a filha na UTI do Hospital Santa Clara, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Ana Carolina Soares da Costa, de 18 anos, estudante da Universidade Federal de Santa Maria, está internada com queimaduras desde o domingo (27) e respira com ajuda de aparelhos, mas conseguiu escrever para o pai. “Ela perguntou que dia era hoje, quantos dias tinham se passado”, contou o pai, Adilton Jorge da Costa.
Médico perde a filha
Acostumado a tratar pacientes com trauma no pronto-socorro do Hospital de Caridade de Santa Maria, o médico Mario José Birnfeld do Canto mal conseguia falar. Nas mãos, um atestado de óbito da filha de apenas 18 anos.
A maioria dos corpos já foi reconhecida e agora começam a ser velados. Uma marcha de mais de 15 mil pessoas marcou esta terça-feira (29) exigindo justiça e fiscalização.
Muitos parentes e amigos fizeram camisetas e cartazes com os nomes e as fotos das vítimas que morreram dentro do boate Kiss e também das que vieram a falecer nos hospitais por consequência das queimaduras ou da inalação de fumaça tóxica.

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